No
estado da arte contemporâneo da Filosofia Moral ou Ética (enquanto campo de
estudo filosófico), sobretudo na filosofia analítica, é comum de fazer uma
distinção entre três níveis diferentes em que se pode discutir sobre a
moralidade: metaética, ética normativa e ética prática.
METAÉTICA
Metaética
é um termo que vem da justaposição das palavra “meta” e “ética”, ambas de
origem grega. “Meta”, no grego, tem uma conotação que pode ser mais ou menos
traduzida como “para além de”. Assim, o campo da metaética, como o próprio nome
já tende a nos fazer entender, não é o campo da ética propriamente dita, isto
é, as discussões metaéticas não são exatamente discussões sobre o que é certo e
errado. São discussões epistemologicamente anteriores. Para ser mais claro, a metaética
se preocupa com as condições de possibilidade da ética. Ou, dito de outra
maneira, com as condições de possibilidade dos juízos morais.
Quando
falamos de metaética, estamos preocupados com uma série de questões que
funcionam como o pano de fundo para qualquer ética. Para citar alguns exemplos,
estamos preocupados em saber se de fato podemos dizer se algo é certo ou
errado, se existe algum método que possamos usar para descobrir isso (questão
epistemológica). Estamos preocupados em saber se os valores morais têm o mesmo
tipo de existência do que as coisas materiais ou não (questão metafísica). Ou
mesmo, estamos preocupados em saber se juízos morais exprimem valores morais ou
se na verdade eles são outra coisa completamente diferente (questão semântica).
Como
se pode perceber, a metaética por si só é riquíssima em possibilidades de
problematização. Possivelmente, a maior disputa travada nesse terreno talvez
seja entre as correntes que poderíamos chamar de objetivistas, de um lado, e
subjetivistas, do outro. De forma sintética, objetivista é todo aquele que
acredita que existem valores morais independentes das nossas vontades
individuais, ou seja, valores morais existem da mesma forma como existem
pessoas, rios e mares. De tal forma que um juízo moral é verdadeiro quando
estiver de acordo com esses valores, e falso quando for contrário a eles. A seu
turno, o subjetivismo, aqui usado em sentido amplo, é como podemos denominar
qualquer teoria que não acredite em valores morais objetivos, que acredite que todo
juízo moral não é nem verdadeiro nem falso, mas sim é a mera expressão de um
estado subjetivo (como um sentimento, uma emoção, etc.).
Teorias
subjetivistas têm um histórico importante principalmente no contexto filosófico
anglófono do século XX. Isso se deve, em grande parte, à influência do
pensamento cientificista e por algumas teses que foram levantadas naquele mesmo
período. Talvez a mais importante delas tenha sido o famoso argumento da
questão aberta, formulado por G.E. Moore.
Moore,
juntamente com Bertrand Russel, pertenceu a uma geração de filósofos que revolucionaram
o pensamento britânico introduzindo uma série de abordagens de problemas
filosóficos por meio da linguagem, lançando as bases para o que conhecemos hoje
como filosofia analítica. De um modo geral, a filosofia acredita que questões filosóficas
podem ser resolvidas se forem decompostas em problemas menores,
identificando-se, por meio de uma análise da linguagem, quais conceitos e
operadores estão envolvidos. No caso da vertente que nasce a partir de Moore e
Russel, a chamada Escola de Cambridge, esse procedimento de desembaraço e
esclarecimento da linguagem seria feito buscando-se trazer à tona a forma
lógica das proposições.
O
argumento de Moore pode ser resumido da seguinte forma: uma questão como “X é Y”
é uma questão fechada se o próprio sentido ou significado de X já implica. Do
contrário, é uma questão aberta. Assim, a questão “quadriláteros são polígonos
de quatro lados?” é uma questão fechada, porque o próprio sentido do termo
quadrilátero já implica que se trate de um polígono de quatro lados. Em outra
palavras, é impossível pensarmos em algo que seja um quadrilátero e não seja um
polígono de quatro lados. Não faria sentido perguntar, por exemplo, “isto é um
polígono de quatro lados, mas é um quadrado?”
Moore
pretendia usar essas ideias para provar que qualquer abordagem ética que identificasse
o bom com alguma propriedade natural (material, não metafísica, não mundana)
seria falha porque cairia em uma questão aberta. Para usar o exemplo clássico,
suponhamos que nós acreditássemos que “o bom é prazer” (um exemplo um tanto
próximo do utilitarismo, com algumas ressalvas). Em nossa doutrina ética,
estamos afirmando que o bom se identifica com o prazer. Para usar os termos que
empreguei há pouco, estamos afirmando que “o bom é prazer” se trata de uma questão
fechada.
Ocorre
que parece não haver absolutamente nenhum problema em fazer a pergunta “isto é
prazeroso, mas é bom?”. Se essa questão é possível, significa que no fundo não
existe a identidade entre uma coisa e outra. Quer dizer que é possível, ao
menos conceitualmente, que nem sempre algo seja prazeroso e bom ao mesmo tempo.
Portanto, a doutrina ética que iguala prazer e bom é contestável.
Moore
acreditava que o mesmo aconteceria com qualquer tentativa de identificar o bom
com alguma propriedade do mundo natural, qualquer propriedade fática.
Independentemente de qual seja o conteúdo da teoria ética, ela padeceria desse
problema se tivesse aquela característica. Como essa tese de Moore ainda está
discutindo o conteúdo de uma doutrina específica ou os critérios que ela
propõe, mas apenas a plausibilidade de éticas que façam aquele tipo de
identificação, é uma tese de natureza metaética. Como sua proposta, Moore
achava que não podemos deduzir um método preciso e exato o bastante que nos
permitisse concluir com certeza quando alguma coisa é certa ou errada. Só o que
temos nesse sentido são intuições. Intuições que não fornecem respostas
definitivas. Daí porque a linha de pensamento de Moore é chamada normalmente de
intuicionismo.
Uma
das reações mais interessantes ao argumento de Moore foi a tentativa de alguns
teóricos de atacar uma de suas premissas. O que esses teóricos tentaram propor
foi que, ao contrário do que Moore pressupõe, alguém que defende uma doutrina
como a do “bom é prazer” não está afirmando uma identidade entre bom e prazer.
Essa pessoa não estaria tentando atribuir ao bom uma propriedade natural.
Na
verdade, para esses teóricos, nenhuma juízo moral é uma tentativa de atribuição
de propriedade alguma, nenhum juízo moral identifica uma coisa com outra.
Juízos morais são, isso sim, enunciados que exprimem as preferências e as
emoções de quem os está emitindo. Quando dizemos “tal coisa é boa”, estamos só
querendo dizer “tal coisa me agrada”. E o único motivo pelo qual formulamos a
frase na primeira forma em vez de na segunda é que assim ela parece menos
pessoal e mais convincente do que se ela fosse dita em primeira pessoa.
Esses
teóricos acreditavam, portanto, que, em se tratando de juízos morais, não se
pode dizer que eles são verdadeiros nem falsos, porque eles são apenas
afirmações de natureza pessoal e subjetiva. No campo da moralidade, não há
conhecimento verdadeiro e certo, apenas pontos de vista que os sujeitos expressam
pela linguagem moral. Como a forma tradicional de definir conhecimento
consistem em dizer que ele é crença verdadeira e justificada, e para esses
teóricos a moral nada tem de verdadeira, eles ficaram conhecidos como
não-cognitivistas morais. Entre eles estão R.M. Hare, A. J. Ayer, C.L. Stevenson, e outros. Para manter a terminologia que usamos anteriormente, podemos dizer que os não-cognitivistas se encaixam dentro do grupo dos subjetivistas.
ÉTICA NORMATIVA
A
ética normativa, por sua vez, é o campo que está mais próximo daquilo que
entendemos por ética em nossas intuições cotidianas. A ética normativa é aquela parte da filosofia
moral preocupada em encontrar algum critério que nos permite diferenciar o
certo e o errado, o bom e o ruim, o virtuoso do vicioso, o justo do injusto,
etc., a depender da terminologia usada pela teoria ética de que estivermos
falando. Nesse sentido, todas aquelas famosas doutrinas éticas que conhecemos
-como a ética kantiana, o utilitarismo, a ética das virtudes, a ética da
alteridade, dentre outras- são éticas normativas.
Cada
uma delas, com seus pressupostos, origens históricas e métodos próprios, é uma
tentativa de nos ensinar como devemos escolher nossas ações e tomar decisões
moralmente relevantes. Toda ética normativa se caracteriza pela proposição de
princípios gerais destinados a guiar o agir humano nas mais diversas situações
da vida.
ÉTICA PRÁTICA
No
entanto, existem algumas situações que envolvem problemas tão específicos e
complexos que acabam adquirindo um status especial e se destacando das demais.
Esse é o caso do aborto, da eutanásia, da clonagem, da manipulação genética em
humanos, e vários outros. Por terem uma série de complicações que os tornam
especiais, esses casos merecem um domínio próprio da ética, que é a chamada
ética prática.
A
ética prática advém da constatação de que questões como as citadas praticamente
não podem ser resolvidas apenas com a aplicação de uma ética normativa
previamente formulada, porque até mesmo os adeptos de uma mesma ética normativa
poderia discordar fortemente de qual seria a coisa certa a fazer naquele
contexto. Para dar apenas um exemplo, é perfeitamente possível que dois
kantianos convictos tivessem posicionamentos opostos quanto à questão do
suicídio assistido (pressupondo que a máxima da ação já esteja definida, tal
como a ética kantiana exige). Um deles poderia se manter fiel àquilo que o
próprio Kant colocou, e entender que o suicídio, ainda que assistido, implica
utilizar a si mesmo como um meio para um fim, o que é inadmissível do ponto de
vista kantiano. Já o outro poderia achar que esse raciocínio é problemático
porque contém premissas de natureza questionáveis sobre para que servem as
emoções humanas e como elas estão envolvidas no caso do caso do suicídio.
Assim,
embora a ética prática não exclua completamente o uso de insights advindos de
éticas normativas, ela considera que isso sempre será insuficiente para as
questões morais especialmente controversas, de forma que, quando estivermos
diante de alguma delas, precisamos sempre analisar também os fatos e as
controvérsias particulares que ali se fazem presentes, como a incerteza sobre
se o feto conta como humano no caso do aborto, a dúvida sobre a possibilidade
de decidir sobre a vida e a morte de alguém em estado vegetativo no caso da
eutanásia, o risco da eugenia no caso da manipulação genética, e assim por
diante.
seu texto está excelente!
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